Marcos
Rolim é jornalista formado pela UFSM, especialista em
segurança pública pela Universidade de Oxford (UK) e mestre em
sociologia pela UFRGS, onde está concluindo seu doutoramento. É professor da
Cátedra de Direitos Humanos do Centro Universitário Metodista (IPA) e
coordenador da Assessoria de Comunicação Social do Tribunal de Contas do Estado
(TCE-RS). Atua, ainda, como consultor em segurança pública. É autor, entre
outros trabalhos, de "Bullying, o pesadelo da escola" (Dom Quixote) e "A
Síndrome da Rainha Vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI"
(Zahar/Oxford University).
Entrevista concedida e publicada no dia 14 de Fevereiro de 2013.
MUNDO EM COLAPSO: Você acredita que o acesso da
população a armas de fogo é a principal diferença que evita aqui os ataques
psicopatas que acontecem nas escolas Estadosunidenses?
MARCOS ROLIM: As
armas de fogo se transformaram em um problema de saúde pública nos EUA. Elas
estão presentes em, pelo menos, 35 mil mortes e em mais de 100 mil ferimentos a
cada ano nos EUA. Os Estados
Unidos tiveram, em 1997,
34.436 mortes por armas de fogo. Deste total, 54% foram casos de
suicídios (16.166), 42% foram homicídios (15.289) e 3% casos de mortes
acidentais (981 casos). Uma média
impressionante de 88 mortes por arma de fogo ao dia, das quais 12 são de jovens
(CSGV, 2001). Nos
EUA, dois terços dos homicídios são praticados com armas de fogo e, entre os
jovens de 15 a 24 anos que foram vítimas de homicídios, mais de 80% deles
morreram por conta dos ferimentos causados por armas de fogo (Cook et al. 1995). Em sua história recente,
os EUA tiveram vários atentados com armas de fogo contra seus presidentes, como
John Kennedy e contra líderes da luta pelos direitos civis, como Martin Luther
King. Para piorar o quadro, os EUA
têm convivido com uma seqüência de massacres praticados com armas de fogo
envolvendo, basicamente, duas situações: atiradores perturbados mentalmente,
munidos de armas automáticas, que alvejam aleatoriamente pessoas na rua, e
jovens armados que descarregam suas pistolas dentro de escolas, matando alunos e
professores.
Massacres
em escolas já ocorreram em outros lugares, inclusive no Brasil. Em 1996, houve o
Massacre de Dunblane, na Escócia, um sujeito de nome Thomas Hamilton, 43
anos, matou 16 crianças entre 5 e 6 anos e um professor, em apenas três minutos
de disparos antes
de se suicidar. No mesmo ano, ocorreu a Tragédia de Port Arthur, na Austrália, que resultou na morte
de 35 pessoas e em sérios ferimentos em outras 37. A tragédia ocorreu nas ruínas
da Prisão-colônia de Port Arthur, um lugar muito freqüentado por turistas. O responsável pelos disparos, Marin
Bryant, 29 anos, usou um rifle semi-automáico para atingir suas vítimas. Antes destes dois casos, houve o
Massacre de Montreal, no
Canadá, em 1989, quando Marc Lepine, 25 anos, com uma mini
metralhadora, atingiu 28 estudantes e professoras, matando 14 jovens mulheres na
Escola Politécnica da Universidade de Montreal. O tema central nestes massacres
foi o acesso a armas semi-automáticas e automáticas. A diferença é que na Grã
Bretanha, Austrália e Canadá, a opinião pública pressionou os respectivos
parlamentos que aprovaram leis que baniram as armas de fogo ou restringiram
radicalmente o acesso a elas. Nos EUA isto nunca ocorreu. Agora, depois do
massacre mais recente, Obama está tentando aprovar uma lei de maior controle. As
propostas já anunciadas, entretanto, são muito tímidas e, mesmo assim,
enfrentarão forte resistência.
No
Brasil, o Estatuto do Desarmamento criou uma nova realidade a partir de 2004,
tornando mais difícil o acesso às armas e praticamente inviabilizando o porte.
Mesmo antes desta lei, entretanto, nunca tivemos a facilidade de comprar armas
automáticas e semi-automáticas como ocorre na maioria dos estados americanos.
Isto faz muita diferença quanto à letalidade potencial.
MUNDO EM COLAPSO:
O bullying é uma prática que acontece apenas em ambiente escolar ou ela está
presente no trabalho, nos espaços de convivência, pela polícia, políticas
públicas e dentro dos lares? Hoje em dia a palavra "Bullying está na moda e
sendo usada para muita coisa, o que caracteriza exatamente o
bullying?
MARCOS ROLIM: O
bullying é uma forma particularmente danosa de violência e suas conseqüências
podem ser muito graves. Para que ele ocorra são necessárias duas características
básicas: a violência (em qualquer das suas manifestações) deve ser praticada
entre pares – vale dizer: entre pessoas que não estão submetidas por
relações hierárquicas, e deve ser repetida. É a repetição da violência sobre as
mesmas vítimas que torna o bullying especialmente destrutivo e que costuma
transformar a vida dos atingidos em um inferno. Com a banalização da expressão, há muito
emprego equivocado do conceito. Já ouvi falar, por exemplo, de “bullying” de
professor sobre aluno, ou vice-versa. Ora, professores e alunos estão em uma
relação hierárquica, não são “pares”, logo não há, conceitualmente, a
possibilidade de bullying aí. Pode
haver – e há – bullying entre professores, assim como há entre
alunos. Outras vezes, o bullying é confundido com o assédio moral, fenômeno
muito diverso. O bullying pode
ocorrer em qualquer espaço, desde que entre pares e de forma repetida. Muito
comumente, as agressões se prolongam por anos. Elas podem envolver agressões
físicas ou não. Práticas de humilhação e de isolamento, por exemplo, são mais
comuns e podem ser piores que as agressões físicas.
MUNDO EM COLAPSO: Como estão as iniciativas anti-bullying atualmente em seu estado? Que políticas públicas estão
sendo realizadas ou projetadas?
MARCOS ROLIM: O
RS saiu na frente e foi um dos primeiros estados a ter uma legislação
anti-bullying, com o projeto de autoria do vereador Mauro Zacher (PDT) aprovado
pela Câmara Municipal de Porto Alegre. Logo depois, uma iniciativa inspirada
nesta lei municipal se transformou em lei estadual, por iniciativa do então
deputado Adroaldo Loureiro. Até
hoje, entretanto, nem a prefeitura de Porto Alegre, nem o governo do estado,
desenvolveram uma política pública com base nestas legislações. Para que isso
ocorra seria preciso que os governantes se interessassem pelo tema e delineassem
políticas específicas que envolvem, basicamente, investimentos na formação dos
professores e das direções das escolas.
MUNDO EM COLAPSO: Em seu site existem alguns livros
para encomendar, como autor você já conseguiu algum
lucro?
MARCOS ROLIM: Meus
livros costumam vender razoavelmente. A “Síndrome da Rainha Vermelha”, por
exemplo, já vai para a terceira edição, o que é uma raridade em se tratando de
literatura científica e sociológica no Brasil. Mas o que os autores recebem por
conta de direitos autorais é, quase sempre, insignificante. Há outros trabalhos
meus sobre os quais abri mão dos direitos autorais, como o estudo sobre as armas
– “Desarmamento: evidências científicas (ou: tudo aquilo que o lobby das armas
não gostaria que você soubesse)” - que está disponível para download em minha página (www.rolim.com.br). O melhor de escrever livros é ser lido.
Escrever para mim é uma forma de lutar.